Um dia frio…

Ontem foi um dia atípico para o carioca. Chuva fina, vento frio, céu nublado.

Mesmo sendo carioca, eu vejo poesia em dias nublados e chuvosos. Dias assim têm sua beleza pálida, sua melancolia.

O Pico do Papagaio, cartão postal da Reserva do Grajaú estava com algumas partes encobertas, não permitindo que os montanhistas escalassem seus segredos.

E eu não aproveitei para escolher um bom lugar para ler um livro. Ainda não consigo.

Ainda possuo as marcas profundas que a Síndrome de Burnout deixou em mim. Marcas que ainda vão demorar muito tempo para sumir. Processo lento e demorado que não se cura com umas férias, mas sim ao longo do ano.

Mas não me dou por vencida porque estou aprendendo a força e o poder de ser resiliente.

Aproveitei para ouvir alguns músicos que não ouço há algum tempo, pois ouvi-los na playlist do carro não nos permite saborear cada nuance de tom, cada acorde, cada parada.

Ontem me dediquei  ao blues e ao jazz. Aquele suingue gostoso da voz de John Lee Hooker e Taj Mahal. A melodia gostosa de Chet Baker, a saudade em cada nota de Léo Gandelman.

Me deliciei ouvindo um vinil de Al Jarreau cujo baterista era Jeff Porcaro, fundador da banda Toto.

Al Jarreau e Jeff Porcaro… Interessante como as vidas se entrelaçam, se cruzam, se contorcem para depois se separarem.

E assim, se hoje não vivo sem você, amanhã não sei onde você está. Mas isso não importa.

Importa que eu tenha te tocado de tal forma que você tenha levado uma nota minha, assim como uma nota sua compõe a partitura de quem eu sou.

Era apenas mais uma terça-feira

Era apenas mais uma noite de terça-feira. Daquelas chuvosas com o barulho gostoso das grossas gotas de chuva que anunciavam uma noite fria.

O som ritmado das gotas batendo nas telhas da varanda agia como se fosse uma música mágica, magnética, tal qual um blues dos anos 50.

A saudade de um tempo de corpos dançando como se fosse um só, da taça de Pinot Noir instigando aquela gargalhada gostosa em cada rodopio, como se a pista de dança fosse o vinil que toca na vitrola

De repente aquele blues rasgado com o som do chiado da agulha, desmaterializou todas as dimensões que compõem o corpo humano e fez do ser uma onda a vagar por todo o universo.

E essa onda foi em todos os cantos, em todos os lugares que tivesse uma lembrança de sons, gostos, cores e amores.

Depois a onda rodopiou imitando o movimento circular de uma galáxia, se tornando uma jovem debutante em sua primeira valsa.

O tempo não existia mais, podia ser tanto a eternidade divina quanto os breves minutos de uma faixa do vinil.

De repente esse movimento frenético foi perdendo força, acalmando a onda que começava a trocar a velocidade pela cadência e em poucos minutos a forma humana foi se restabelecendo

E assim, ao terminar a música, o devaneio de desbravar o universo e seus movimentos foi substituído por um desejo incontrolável de mais um gole de Pinot Noir, que rodava displicentemente na taça enquanto a chuva caía.

Crédito de imagem: Imagem de Pexels por Pixabay