SÓ O SIM É SIM – uma questão de ação e reação

Ser mulher, uma usina geratriz de vida, primeiro lar de todos que neste mundo habitam, é uma das posições mais difíceis no mundo moderno. Na realidade, vamos tirar o moderno e falar que “desde que o mundo é mundo”.

Mas antes quando o “mundo era mundo”, o papel da mulher era claro para todos. Inferioridade, inação, submissão.

Atualmente vemos discursos vazios de igualdade de gênero, geralmente proferidos por misóginos que acham que convencem alguém. Palavras tão hipócritas que a mim causam repugnância.

Nestes dias estamos acompanhando nas mídias o julgamento de uma personalidade esportiva que estuprou uma mulher em um bar “porque bebeu demais e perdeu o controle das coisas”. Não vou falar muito deste caso pois me causa um profundo incômodo as midias do mundo espalharem as imagens dele com cara de “MadalenO arrependido”, ahhh… coitado (no máximo da ironia).

O que me interessa não é colocar os holofotes sobre esta personagem, mas refletir sobre duas pequenas frases que são utilizadas na nossa luta pela sermos donas de nossos corpos.

Esta frase se tornou um marco do nosso lugar de fala. A única proprietária do meu corpo sou eu mesma, e apenas eu posso dizer quem o toca ou não. Foi uma vitória a campanha, e mais do que nunca nossa sororidade se fez presente, quando percebemos uma mulher, seja ela cis ou trans, em dificuldades, rapidamente fazemos funcionar nossa rede de solidariedade.

Mas eu sempre achei essa frase reativa. Quando falamos não é não, no meu entendimento é porque alguém já avançou o sinal do nosso espaço pessoal e nós estamos reagindo a algo que não queremos. Ou está sendo insistente na abordagem, ou insiste em nos tocar, nos pegar, agarrar. E quando isso ocorre estamos reagindo à violência presumida.

Um patamar acima do não é não começou a ser utilizado e virou lei na Espanha (onde o tal processo citado acima está acontecendo). 

Só sim é sim é uma nova forma dos individuos se relacionarem com nosso espaço pessoal. Ou seja uma relação só é considerada consensual se a mulher expressar isso claramente. Para que o indivíduo entre em nosso espaço pessoal teremos que dizer claramente que assim o queremos. Neste momento estaremos agindo. No meu entendimento é um progresso das relações sociais.

Essa campanha abaixo “Dress for Respect” ganhou vários prêmios ao mostrar o quanto as mulheres são tocadas em uma boate. Vale a pena assistir

E mais que isso, SÓ O SIM É SIM nos dá a certeza que um estuprador não poderá mais usar a desculpa da bebida ou seja lá o que for. Que crimes como o do caso citado acima sejam punidos com rigor, mesmo que o estuprador tente de qualquer jeito dar mais de cinco versões de um crime na tentativa de justificar o injustificável.

E vamos lutar por essa lei no Brasil! Já é muito tarde, vide o aumento de casos de feminicídios que acompanhamos diariamente.

Me deixe sozinha

Adoro dias chuvosos. Combinam com uma das mais belas Rosângelas que habitam dentro de mim. Gosto de passear displicentemente pelas ruas do centro da cidade com meu echarpe vermelho, olhando para aquelas belas construções neoclássicas que povoaram a arquitetura do século XIX. E para estas caminhadas, nada melhor que a companhia das musas que guardam o Teatro Municipal, me auxiliando a passar pelas folhas de acanto que sustentam as grandes colunas de imponentes prédios.

Mas infelizmente nem tudo dá uma bela foto que valha a pena colocar nas redes sociais. Em uma sociedade como a nossa, prazeres simples como passear nas ruas para uma mulher sozinha se torna uma batalha.

Ouvir cantadas velhas e machistas, ser a nora perfeita para sogras imaginárias, se sentir um pedaço de carne ambulante, não poder sequer rir ao lembrar de um fato engraçado para que o indivíduo não ache que voce está “dando mole”. Meu Deus! Me tiraram o direito ao riso frouxo!

Suzana e os Anciãos (1610) – Artemisia Gentileschi

Como sou insistente em meu passeio pelas ruas estreitas do centro, desviando de carantonhas e sons de gralhas que insistem em me perturbar a viagem, as musas acham por bem me confiar a Baudelaire. Ele, como um autêntico flâneur, me guia até um antigo café, com seu piso do século XIX ainda intacto, para que eu pudesse, ao beber lentamente minha xícara de capuccino, me transportar para minhas outras vidas, me desligasse da contemporaneidade enloquecedora e barulhenta e aproveitasse alguns momentos de profundo prazer de minha própria companhia.

E passo alguns belos momentos pensando, devaneando, sorrindo de alegrias passadas e presentes, e para pessoas queridas que desfilam pelos olhos da minha alma. Neste momento não lembro onde o corpo está, mas alma certamente está no paraíso.

Senti o cheiro de feijão da minha mãe, comi o bolinho de chuva com canela e tomei o café que ela tinha acabado de passar. Até dancei soltinho com meu pai e seu sapato bicolor na sala.

Terraço do Café à Noite (1888) – Vincent Van Gogh

De repente, escuto um “- senhora?” muito ao longe. Deixei meu bolinho de chuva no prato, me despedi de meus pais e voltei para a cafeteria que estava.

Ao sair do meu paraíso particular, a garçonete, muito envergonhada, me diz que um determinado senhor me viu muito tempo sozinha e por isso se dispôs a me fazer companhia, a se sentar em minha mesa para eu não ficar sozinha.

Ainda aérea pelo fuso horário entre o meu mundo mágico e o café onde eu estava sentada, me perguntei “eu? sozinha?”. Após alguns instantes agradeci mas recusei a companhia pois eu queria estar sozinha, foi para isso que saí de casa aquele dia, para estar comigo. Ao passar por mim, o educado cavalheiro balbuciou pelo canto da boca a real ideia do que ele achava que eu era.

Mas não me dou por vencida. Fico até o final do que eu tinha programado para o meu dia. Ajeito meu echarpe vermelho e retoco meu batom. E enquanto faço isso, reforço a minha disposição de lutar com unhas pintadas e um belo sorriso contra essa sociedade tão misógina, que sequer nos deixa sair às ruas em paz – e sozinha.