As lágrimas do mundo, as lágrimas do meu mundo

Na varanda de casa, o barulho da chuva acalenta o vai-e-vem da rede, que de forma cadenciada embala meu corpo enquanto olho para as gotas que displicentemente caem pelas telhas.

Com a chuva intensa, a rua fica mais silenciosa ainda, permitindo que eu ouça meus próprios pensamentos.

E ele foi longe, em um lugar de lutas, um lugar e um tempo onde cada dia era forjado a ferro. O caminho de uma mulher que foi educada para lutar por condições iguais, em todos os aspectos. Meus pais sabiam o espírito que receberam em casa, e me ensinaram que lutar pelos meus direitos não tira o direito de ninguém, afinal, o direito à igualdade não é uma pizza, onde quanto maior a fatia do direito de um, menor a do outro.

Yerres, Efeito da Chuva – Gustav Caillebotte, 1875

O discurso da igualdade é como a gota de chuva que agora cai no meu jardim. Forte após o inicio, vai se enfraquencendo com o tempo, até se invisibilizar.

Muitos dizem que o discurso é agressivo, o que não é verdade. O discurso é assertivo, de quem sempre esbarra na barreira invisível de ser mulher.

O nosso “basta” é visto como nervoso, estresse, agressividade, histeria. E aquela pergunta sempre está no ar… será que ela está de TPM?

Mas se há algo que te afirmo, é que acima de todas as batalhas, todas as cicatrizes, a minha alma ainda busca a poesia que existe no mundo, que existe no outro. E assim termino este post me apresentando…

Aqui está minha vida – esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz – esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor – este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança – este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento
.

MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

(O Beijo – Gustave Klimt, 1907)

Na Primavera do tempo

A primavera já chegou em setembro, mas esta mulher soberana em seu manto vermelho, caprichosa como só as mulheres podem ser, só quis chegar no início de outubro.

A Primavera (1482) – Sandro Botticelli

E neste lindo domingo, dia 02 de outubro, ela começou a se apresentar. Eu a esperei durante muito tempo, e finalmente este dia chegou.

Para honrar este encontro eu me vesti de branco. Mais do que qualquer cor, o branco é o somatório de todas elas. Meu branco representou com orgulho o arco-íris dos meus irmãos LGBTQIA+, e celebrou a liberdade do Espírito para manifestar em seus corpos o que eles são. A cor representou todos os meus irmãos pretos, pardos, indígenas, asiáticos, brancos. Todas as etnias estavam em minha roupa branca, mesmo porque daqui a pouco, estas cores se misturarão no mesmo solo que há de reciclar nossos corpos.

Ao olhar pela minha janela, percebi pelo balançar das folhas que ainda corria um vento frio, pois a primavera chega com passos firmes mas delicados.

Assim achei por bem me proteger das ruas ainda cinzentas e frias com a minha echarpe vermelha, minha companheira de tantos momentos. Ao passá-la ao redor do meu pescoço, percebi que ainda faltava algo para honrar a chegada da nova estação. E aquele batom vermelho completou meu sorriso de alegria.

Flor de Pascoa (1873) Marianne North.

E assim fui ao encontro da nova estação, com passos firmes, esperança no coração, fé no futuro e na certeza que há uma estrela a nos guiar.

Afinal, por mais que seja rigoroso o inverno, jamais se pode deter a chegada da primavera