Materialidade e Rastreabilidade na Era Digital: Como a Tecnologia Afeta a História e a Memória Coletiva

Um trabalho histórico tem em si uma parte muito importante que é o levantamento das fontes, e para mim as mais importantes são as primárias. Para uma análise mais imparcial possível, eu tenho que saber “o que N pensava, e não o que Y pensava sobre o que N pensava”.

Quando não conhecemos o autor original, replicamos frases de redes sociais que concordam com o que pensamos sem sequer analisarmos se tem lógica no pensamento do autor e da época. Sobre esse assunto, falo um pouco mais no meu post “Toulouse-Lautrec não era Elegante” .

Quando escrevo um post aqui, que geralmente faz parte de algo maior, como um artigo que será publicado em uma revista científica, a parte de um livro ou parte de uma disciplina acadêmica, eu pesquiso profundamente o assunto em bibliotecas confiáveis, em revistas sérias e bancos de imagens oficiais de instituições reconhecidas.

Mas tenho refletido bastante em como estamos perdendo a materialidade e a rastreabilidade das coisas, imersos em um mundo de nuvens e streamings; ainda mais por conta do avanço indiscriminado da Inteligência Artificial nas redes sociais sem uma regulamentação clara.

E pensando em o que tem acontecido nos últimos tempos, me preocupo com as futuras gerações e sobre o apagamento da história de qualquer coisa que não interesse aos que detêm o poder da informação.

Há alguns dias, uma destas bigtechs mudou o nome de uma região geográfica pelo capricho de uma pessoa. O mundo todo está vendo o nome oficial e “novo nome” escrito entre parêntesis. Mas em que momento esse parêntesis será apagado?

Ontem fui ao show do Sting aqui no Rio de Janeiro. Uma das coisas que mais respeito nele é sua posição em relação a alguns assuntos que são iguais ao que penso. Ele está fazendo uma turnê mundial, e provavelmente ao final a turnê editada irá para um streaming conhecido mundialmente.

Eu tenho DVDs, CDs, e Vinis que ainda ouço, então tenho a “versão oficial” das músicas, que refletem o que ele pensa. E se daqui a algum tempo alguma destas bigtechs não concordarem com o que ele falou em um show e resolverem suprimir um texto do discurso digitalmente, mudando o entendimento do que ele pensa?

O que fazemos com a nossa história?

O Holocausto existiu, a ditadura militar no Brasil existiu, a música Zombies dos “The Cranberries” não é sobre filme B de terror, mas sobre as mortes nos conflitos entre a Irlanda do Norte e as as tropas britânicas.

Imagem: colagem do filme “A Noite dos Mortos-Vivos” de 1968 dirigido por George A. Romero e do vídeoclipe “Zombies” do grupo The Cranberries

E por essas e outras, acho que o papel do Historiador é um dos mais importantes para amanhã não cometermos os mesmos erros que cometemos no passado.

Até a próxima!

História do Conhecimento e a interface de todas as histórias

Quandos buscamos personalidades na história clássica, sempre vemos um espírito polímato, ou seja, que tem conhecimento sobre vários assuntos. Por exemplo, quando falamos de Tales de Mileto, estamos nos referindo a um filósofo que ao mesmo tempo era considerado astrônomo, matemático e engenheiro.

Em determinado momento da nossa história, nos períodos que rondam o Iluminismo, vimos surgir as ciências naturais como disciplina, e a partir de então não só temos as disciplinas – química, física, biologia, astronomia, entre outras – mas também as mais diversas especialidades – fisiologia, anatomia, morfologia, etc.

Mas estas especialidades não podem ser trabalhadas de forma estanque e individual. Como explicar pessoas que não aceitam a transfusão de sangue por motivos religiosos sem que a interface história da religião e história da ciência não seja explorada? E estamos falando de no mínimo dois campos do saber. Se inserir outras variáveis, como por exemplo que em alguns países, caso o doente esteja em risco de morte, o Estado suplanta a vontade do indivíduo e realiza a transfusão, entram em jogo questões politicas e sociais infinitas.

Percebe-se que todas as “caixinhas” do saber humano estão interligadas, como se fosse uma grande rede de comunicação das mais diversas possíveis. Olhar apenas para a história que interessa, é postular teorias contaminadas de erros

História do Conhecimento é algo sinérgico a partir da convergência entre vários campos do saber e suas informações existentes, em um processo multifacetado da história

E é sobre a História do Conhecimento que eu me debruço nos meus trabalhos. Nenhum fato se explica por si mesmo. Tudo é interligado, e o barato de trabalhar com a História do Conhecimento é descobrir estas interfaces fluidas e tentar entender fenômenos da sociedade que aparentemente parecem ser impossíveis de se explicar, como a teoria da terra plana em pleno século XXI e o movimento antivacina no meio de uma epidemia mortal.

Esse trabalho me fascina, me preenche, me faz sempre buscar mais. Mais histórias, mais conhecimentos, mais interconexões, na tentativa de entender um pouco mais esta nossa Humanidade.

Vamos juntos nesta jornada?