síndrome de BURNOUT (I) – não era apenas cansaço

Depois de mais de duas semanas sem ler nada, hoje acordei com o firme propósito de ler algumas linhas. Peguei o livro que comprei na FLIP, desembalei e toda senhora de mim comecei a ler. No meio da primeira página eu já não conseguia entender as palavras.

Fechei o livro e fui arrumar algumas coisas em casa. Logo após o almoço, liguei o computador para tentar escrever algo, mas não consegui escrever uma linha sequer.

No início de outubro fui diagnosticada com Burnout, e muito tolamente pensei que alguns dias de descanso seriam suficientes.

Viajei para um paraíso litorâneo e pensei que uns dias de pernas para o alto,  escutando o barulho das ondas fosse resolver meu problema. Mas não resolveu…

Que sensação desesperadora! Porque na realidade Burnout não é cansaço, não é stress, não é sobrecarga de trabalho.

É uma doença que incapacita, imobiliza e movimenta em nós o sentimento de que não estamos nos esforçando o suficiente. E isso vira um círculo vicioso, pois não estamos produzindo, logo o trabalho vai atrasar, e a angústia chega a tal ponto que a mente, cansada de dar pistas que já chegou a um limite, começa a atacar o corpo de uma forma mais contundente.

No meu caso, em setembro eu fui duas vezes para o pronto-socorro. Na primeira vez fui com febre altíssima, mal conseguia andar, e o diagnóstico foi pneumonia, sem que eu tivesse qualquer sintoma anterior, sequer um resfriado, revelando uma imunidade muito baixa.

Da segunda vez, estava com todos os sintomas semelhantes a um AVC. Graças a Deus não era.

Mas era o corpo gritando para eu parar, para eu meter o pé no freio imediatamente, e eu não o escutei pois estava preocupada demais em produzir mais alguns tópicos da minha tese de doutorado junto com a disciplina que tenho que ministrar na UFRJ, junto com o artigo que estou escrevendo, junto com uma consultoria, junto com a organização da casa, junto com as contas do mês, junto com as compras de supermercado, junto com a reforma do terraço, junto com … Junto com… E não deu mais.

Comecei uma via crucis com vários médicos e exames, até que hoje eu pensei que estava tudo bem, pois já tem quase um mês do início do diagnóstico e tratamento.

Mas não está tudo bem. Tive a certeza absoluta disso. Agora, ao digitar estas linhas ainda meio confusas, eu sei que o caminho vai ser longo.

Se identificou com o que descrevi acima? Está sempre cansado e achando que não está dando conta? Pára e escuta sua mente e seu corpo. Não deixe chegar onde eu cheguei.

PARE DE ROMANTIZAR DIZENDO QUE VOCÊ É FORTE, SÓ ESTÁ CANSADA(O).

Não permita que esse mundo louco e distópico em que estamos vivendo tire o que você tem de melhor, que é o poder estar bem em um mar de cobranças e incertezas.

Me deixe sozinha

Adoro dias chuvosos. Combinam com uma das mais belas Rosângelas que habitam dentro de mim. Gosto de passear displicentemente pelas ruas do centro da cidade com meu echarpe vermelho, olhando para aquelas belas construções neoclássicas que povoaram a arquitetura do século XIX. E para estas caminhadas, nada melhor que a companhia das musas que guardam o Teatro Municipal, me auxiliando a passar pelas folhas de acanto que sustentam as grandes colunas de imponentes prédios.

Mas infelizmente nem tudo dá uma bela foto que valha a pena colocar nas redes sociais. Em uma sociedade como a nossa, prazeres simples como passear nas ruas para uma mulher sozinha se torna uma batalha.

Ouvir cantadas velhas e machistas, ser a nora perfeita para sogras imaginárias, se sentir um pedaço de carne ambulante, não poder sequer rir ao lembrar de um fato engraçado para que o indivíduo não ache que voce está “dando mole”. Meu Deus! Me tiraram o direito ao riso frouxo!

Suzana e os Anciãos (1610) – Artemisia Gentileschi

Como sou insistente em meu passeio pelas ruas estreitas do centro, desviando de carantonhas e sons de gralhas que insistem em me perturbar a viagem, as musas acham por bem me confiar a Baudelaire. Ele, como um autêntico flâneur, me guia até um antigo café, com seu piso do século XIX ainda intacto, para que eu pudesse, ao beber lentamente minha xícara de capuccino, me transportar para minhas outras vidas, me desligasse da contemporaneidade enloquecedora e barulhenta e aproveitasse alguns momentos de profundo prazer de minha própria companhia.

E passo alguns belos momentos pensando, devaneando, sorrindo de alegrias passadas e presentes, e para pessoas queridas que desfilam pelos olhos da minha alma. Neste momento não lembro onde o corpo está, mas alma certamente está no paraíso.

Senti o cheiro de feijão da minha mãe, comi o bolinho de chuva com canela e tomei o café que ela tinha acabado de passar. Até dancei soltinho com meu pai e seu sapato bicolor na sala.

Terraço do Café à Noite (1888) – Vincent Van Gogh

De repente, escuto um “- senhora?” muito ao longe. Deixei meu bolinho de chuva no prato, me despedi de meus pais e voltei para a cafeteria que estava.

Ao sair do meu paraíso particular, a garçonete, muito envergonhada, me diz que um determinado senhor me viu muito tempo sozinha e por isso se dispôs a me fazer companhia, a se sentar em minha mesa para eu não ficar sozinha.

Ainda aérea pelo fuso horário entre o meu mundo mágico e o café onde eu estava sentada, me perguntei “eu? sozinha?”. Após alguns instantes agradeci mas recusei a companhia pois eu queria estar sozinha, foi para isso que saí de casa aquele dia, para estar comigo. Ao passar por mim, o educado cavalheiro balbuciou pelo canto da boca a real ideia do que ele achava que eu era.

Mas não me dou por vencida. Fico até o final do que eu tinha programado para o meu dia. Ajeito meu echarpe vermelho e retoco meu batom. E enquanto faço isso, reforço a minha disposição de lutar com unhas pintadas e um belo sorriso contra essa sociedade tão misógina, que sequer nos deixa sair às ruas em paz – e sozinha.